REFLEXÕES SOBRE ÉTICA, CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL



Por: Jorge Schemes

"Eu preciso participar das decisões que interferem na minha vida. Um cidadão com um sentimento ético forte e consciência da cidadania não deixa passar nada, não abre mão desse poder de participação." (Herbert de Souza, o Betinho)

Herbert de Souza encarnou o que disse até o último dia de vida. Aliás, suas palavras são o resultado de sua vida, de sua luta social por uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Contudo, sua visão de futuro não ficou sem ação, pois do contrário seria apenas um sonho. Também suas ações não estavam destituídas de sonhos, pois se assim fosse, seriam apenas um passa-tempo sem propósitos maiores. Desta maneira, podemos afirmar que as palavras de Betinho são o resultado de uma visão de futuro (sonho) acompanhada de ações concretas, inseridas no contexto histórico e social de seu tempo, o que gerou uma mudança de atitude e consciência. Assim, podemos afirmar que: "Uma visão de futuro sem ação é apenas um sonho. Ações sem uma visão de futuro (sonho) são apenas um passa-tempo. Todavia, uma visão de futuro (sonho) acompanhada de ações planejadas e intencionais, podem causar um revolução na história de vida pessoal e social".

Há um imperativo na declaração de Betinho, de que precisamos participar das decisões que interferem na nossa vida. Não é opcional. Ou participamos ou nos alienamos. A omissão pode ser considerada uma alienação. Se desejamos construir nossa cidadania, "precisamos" participar das decisões que afetarão nossa vida. Por exemplo, a questão do direito ao voto nas eleições Municipais, Estaduais e a nível Federal. Precisamos participar. Mesmo quando o voto é branco ou nulo está havendo participação, contudo, não há um sentimento ético e consciência cidadã. Precisamos participar com intencionalidade e consciência ética. Nosso poder decisório é muito maior do que supomos. Se de fato praticarmos a democracia plena, nossos direitos enquanto cidadãos, estaremos criando uma atmosfera de poder ao nosso redor. Devemos lembrar que as pessoas só poderão nos tratar como seres inferiores com o nosso consentimento. 

Quem vive na dimensão de súdito, está colocando-se numa posição de inferioridade em relação aos seus direitos. Não está exercendo seu poder decisório. Penso que, neste sentido, a fundamentação ética é super importante, principalmente quando entendemos que a ética pode fundamentar as relações sociais ou não. Penso ainda que este sentimento ético forte só pode existir por meio de uma educação libertadora e crítica. Não é possível desenvolver este sentimento ético sem uma fundamentação teórica consistente. O conteúdo desta fundamentação não pode estar norteado pela lógica capitalista, pois a ética do mercado é utilitarista, ou seja: os fins justificam os meios. Penso que a melhor fundamentação para uma ética que contemple as diferenças e a diversidade presentes em nossa cultura é a ética da alteridade de Emmanuel Lévinas. Essa manifestação ética está expressa de alguma maneira no rosto do outro. Há uma certa encarnação da ética como filosofia primeira quando apreendemos o sentido da humanidade, e o que há de mais humano no ser, revelado no rosto do outro. Este outro é uma referência ao "totalmente outro", o excluído, o segregado, o discriminado pela lógica do neoliberalismo, o qual contempla o humano apenas na dimensão do capital e do trabalho, como agente de produção. Há uma fragmentação da dimensão humana no universo da técnica neoliberal. Esse dilaceramento do humano no ser precisa ser restaurado, e o caminho, o único possível, é a educação libertadora e crítica. Não há outro meio pelo qual possamos resgatar e reconstruir o sentimento ético forte e a consciência da cidadania como instrumentos internos, para que o sujeito possa exercer seu poder de participação. Quem não tem essa fundamentação não participa, e quem não participa é um mero espectador e joguete nas mãos dos detentores do poder.

A educação, dentro do contexto neoliberal e da lógica capitalista, tem sido aparelho ideológico do Estado neste país desde sua invasão. Quem vai fazer a diferença é o professor, o qual pode reproduzir a ideologia de subordinação e dominação, ou pode ser um agente de transformação e mudança. Contudo, para que o professor seja um agente de transformações, ele próprio precisa ser construído e formado continuamente dentro de um contexto educacional crítico e dialético. Pessoalmente, acredito que é possível quebrar os velhos paradigmas da exclusão e discriminação. O preconceito é aprendido, e se é aprendido pode ser desaprendido. Não é tarefa fácil, pois poderá exigir o abrir mão de interesses próprios e possíveis vantagens. O fato é que, assim como o Betinho, há milhares de outros que estão lançando a semente para um amanhã mais justo, igualitário e solidário. Todavia, não podemos negar que há interesses politiqueiros em muitos programas assistencialistas e de fachada. Como cidadãos, precisamos participar no sentido de acompanhar as ações sociais promovidas pelo Governo. Infelizmente, se perguntarmos em quem as pessoas votaram nas eleições passadas, a grande maioria talvez não consiga lembrar. 

O contexto em que o neoliberalismo insere-se na vida de milhões de brasileiros não foi favorável a uma reação por parte do povo. Pois o Brasil, nunca foi um Estado de Bem-Estar. Por conta disso, o neoliberalismo está exercendo um papel de exclusão social muito mais impactante do que ocorreu na Inglaterra, país desenvolvido às custas do sangue alheio. Os ingleses, os grandes sanguessugas da humanidade, quando assumiram a política neoliberal, viviam um Estado de Bem-Estar mais consistente do que o Brasil. Há uma desvantagem para nós do ponto de vista positivista . Entretanto, nosso povo pode ser considerado herói, pois tem usado da criatividade e da inovação para superar suas deficiências. Aliás, o que pode ser considerado o nosso maior patrimônio? Sem dúvidas, o maior patrimônio do país são as pessoas. Não adianta o país crescer o PIB 10% ao ano, se não houver mão-de-obra qualificada e pessoas pensantes para sustentar tal crescimento. 

Os talentos e competências dos recursos humanos disponíveis são o principal diferencial para crescermos de verdade. Por este viés, a qualidade na educação é a principal via de sustentabililidade. Crescer economicamente e não crescer intelectualmente e moralmente equivale a estagnação. Se o país não fizer investimentos pesados em educação, as coisas não irão melhorar de fato. Penso que a discusão em torno da educação tem duas correntes que se destacam, ou seja: aqueles que defendem uma educação para a cidadania (posição civil democrática), e aqueles que defendem uma educação técnica para o mercado de trabalho (posição conteudista). Assim, penso que não basta formar técnicos, faz-se necessário preparar a juventude para atuar como cidadãos críticos e participativos. Volto a declarar a minha crença numa educação libertadora e crítica, capaz de servir como instrumento para a promoção da justiça social.

Pensando em Aristóteles para fundamentar nossas ações políticas, de participação e legitimação de direitos, faz-se necessário entender a política como um desdobramento natural da ética, pois tanto a ética quanto a política compõem a unidade do que Aristóteles costumava chamar de filosofia prática. Há duas dimensões que envolvem a ética e a política. Enquanto a ética está preocupada em buscar e encontrar a felicidade individual do sujeito cidadão, a política está interessada em alcançar a felicidade coletiva (social). Desta maneira, é tarefa da ética e da atitude política investigar e descobrir quais são as formas de governo e quais são as instituições capazes de assegurar a felicidade coletiva. Trata-se, portanto, de investigar a constituição do Estado, sua atuação e suas competências, para, partindo desta premissa, participar de forma mais consistente e consciente enquanto cidadão. Portanto, não podemos separar a ética da política, ou seja, das nossas ações individuais e de participação social.

Analisando os dados aterradores da péssima qualidade na educação divulgados no Ideb, concluí parcialmente que há vários fatores para chegarmos nestes índices; na minha opinião, o que mais tem pesado é a disritmia da escola com este tempo histórico e social, ou seja, o currículo está descontextualizado, a escola ainda apresenta os moldes medievais. Desta maneira fica difícil captar a atenção e o interesse dos alunos, que na maioria dos casos são meros expectadores do processo e não atores e autores. Os alunos precisam ter voz e vez. 

O currículo deve partir da realidade deles e desafiá-los na construção de sua autonomia intelectual, ética e moral. Se um determinado conteúdo não está vinculado com a minha realidade, este conteúdo não tem significado para mim, e aquilo que não significa nada pra mim, não me interessa, e o que não me interessa eu não quero aprender. É a lógica de uma educação metafísica e excludente. Faz-se necessário uma concepção histórico-social de ser humano. Partir do conhecimento real dos alunos, ou seja, daquilo que eles já sabem, para o conhecimento potencial, científico.

LUCUBRAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO


Por: Jorge Schemes

A grande ferramenta de transformação social é a educação. Não pode haver mudança, movimentos sociais legítimos e nem mentalidade crítica e cidadã, sem um processo educacional consistente e fundamentado em sólidos princípios, éticos, teóricos e metodológicos. Penso que toda a prática está embasada em pressupostos teóricos, pois não há prática sem teoria e vice-versa, assim, partindo desta premissa, a educação não contém um conhecimento vazio ou descontextualizado. 

Também se faz necessário considerar que toda educação é política, não necessariamente no sentido partidário, mas no sentido aristotélico do termo, ou seja, como dizia Aristóteles: "o ser humano é um animal político". A educação, por ter um conteúdo significativo com a realidade histórico-social do indivíduo, promove esse movimento político de construção de uma sociedade participativa. Quando um conteúdo tem vínculo com a realidade do sujeito, ele tem significado, e quando tem significado se torna relevante, e aquilo que é relevante para o indivíduo passa a ser usado em seu cotidiano como ferramenta política, no sentido de promover a mobilização social e consequentemente as mudanças. 

Assim, penso que participar de um processo educacional e promover o conhecimento historicamente construído pela humanidade, pode ser um primeiro passo para a construção de uma visão de mundo mais crítica e participativa. Como professor universitário, desejo dar minha parcela de contribuição ao utilizar os conhecimentos construídos em minha prática pedagógica em sala de aula, pois trabalho diretamente com a formação de futuros docentes, os quais por sua vez podem ser multiplicadores deste conhecimento mais elaborado e crítico. Como afirmou Francis Bacon: "Saber é poder"! E certamente o conhecimento construído sobre as bases da educação é um dos passos para a prática de uma cidadania mais crítica e participativa, permitindo para muitos a superação da condição de meros súditos.

A incipiente democracia brasileira precisa ser aprendida e praticada pelos cidadãos. A grande massa em nosso país ainda vive como súdito, pensa como súdito e não têm plena consciência de seus direitos e deveres. Ora, o súdito subordina o seu pensamento, os seus sonhos e a sua própria vida, em detrimento de sua felicidade e bem estar. O processo de libertação do pensamento subordinado e fundado no senso comum só pode ser alcançado via educação. Essa libertação, lembrando a alegoria da caverna de Platão, não é algo indolor a nível cognitivo, pois bate de frente com dogmas, valores, tradições e preconceitos aprendidos. 

Todavia, não se trata de qualquer educação, e muito menos de qualquer educador. Há educadores comprometidos e há mercenários da educação. Portanto, penso que, como dizia Paulo Freire, "somos seres da transformação e não da estagnação", ou seja, se de fato sonhamos, e sonhar é utopia, e a utopia nos dá esperança, então é porque somos capazes de acreditar em mudança de mentalidade, de pensamento. Como dizia Sócrates: "aquele que deseja mudar o mundo, deve primeiro, mudar a si mesmo". A desconstrução e a constante reconstrução do pensamento só podem ocorrer dentro de um processo dialético, contemplando as diferenças e a multiculturalidade presente neste tempo histórico e social. Ao participar deste processo educacional como um projeto político e civilizatório para todos, faz-se necessário uma abordagem pedagógica sócio histórica e uma concepção histórico-social de ser humano. 

A concepção metafísica de ser humano, bem como a concepção naturalista ou cientificista são excludentes, pois objetivam a uniformidade onde há diversidade, além de fragmentar e diluir o todo. Penso que os movimentos sociais legítimos e a participação da sociedade no controle social das ações do Estado só serão difundidos e praticados pela grande massa deste país quando a educação der um salto de qualidade. Não basta apenas mais verba pública, faz-se necessário um projeto que contemple o todo, desde a formação do professor até as questões ligadas a infraestrutura, salário, recursos didático-metodológicos, acesso as tecnologias e reformulação do espaço escolar. Porque um dos problemas que atinge a educação hoje é que há uma verdadeira disritmia entre o que ocorre dentro da escola e o que ocorre na sociedade. 

Assim, na educação ainda temos um modelo medieval, com formatação medieval e o que é pior, com mentalidade medieval. Desta maneira, penso que o desafio de multiplicar o conhecimento construído historicamente pela humanidade não está apenas limitado ao entendimento teórico. Contudo, por meio de uma educação libertadora, lembrando a filosofia da libertação de Enrique Dussel, mantenho a grande utopia de um país escolarizado, alfabetizado e letrado, com pensamento próprio e não apenas como um mero refletor do pensamento acabado daqueles que detém o poder político, econômico e cultural. Particularmente não sou a favor de extremos, os extremos são sempre perniciosos e perigosos, mesmo que sejam aparentemente positivos. Como dizia Aristóteles: "A virtude (ética) nunca é encontrada nos extremos, mas no meio termo, no equilíbrio". Esta ética aristotélica do meio termo é fundamental para a tomada de decisões mais bem fundamentadas e legítimas. Pois afinal, o principal objetivo da ética é o bem, individual (para si) e coletivo (para os demais). 

O fato da sala de aula poder ser um espaço democrático é importante para a educação, pois o professor tem autoridade de cátedra, e pode, se assim o desejar e se estiver preparado, questionar o status quo social, ou, se for o caso, ser um mero reprodutor das ideologias da classe dominante. A educação, como um prática laica, é arma de combate social, é alimento e combustível para o pensamento crítico e para uma atitude mais cidadã de transformação social. Embora a constituição estabeleça a separação entre Igreja e Estado, o que presenciamos na prática é uma continuação de interesses ideológicos e religiosos que muitas vezes subjugam o pensamento autêntico. Marx diria que a religião como instrumento ideológico é o ópio do povo. 

Há dois lados nesta questão, o primeiro faz referência a uma crítica da religião como alienadora, o outro lado é positivo, uma vez que o ópio na época de Marx servia também como remédio anestésico, a religião é necessária para a cura da alma. O que não dá para admitir é a pessoa usar apenas o mito e os dogmas como leitura de mundo e da realidade. Há outras formas de abordagem do real, dentre elas cito a arte, a filosofia e a ciência. Aí entra a educação, promovendo a atitude crítica, a atitude filosófica e a reflexão filosófica, ou seja, libertando o indivíduo da caverna. Todavia, nem todos estão prontos para sair do senso comum em direção a luz do conhecimento crítico, mesmo muitos professores. Porque, em minha opinião, mexer na zona de conforto incomoda. Aliás, a reflexão filosófica sempre incomodou os poderosos, por essa razão não é por acaso que em regimes políticos totalitários a filosofia a a arte são banidos ou reprimidos.

Todo processo educativo que se preze busca a autonomia do indivíduo. Essa autonomia envolve aspectos morais e intelectuais. Porque o objetivo da verdadeira educação é educar para a liberdade. Volto a pensar na questão dos extremos. Em relação a liberdade há dois extremos. De um lado temos aqueles que acreditam que não pode haver liberdade, pois estamos entregues a um certo determinismo, então para que buscá-la? Estes vivem pelo princípio da hetoronomia (norma ou lei que vem de fora, que é imposta). Do outro lado há aqueles que defendem a tese da liberdade absoluta, plena e sem limites. Conduzem a educação e seus processos dentro do princípio da anomia (ausência de normas ou leis). Lembrando novamente a ética aristotélica do meio termo, podemos concluir que estes dois pólos não são o ideal na busca pela construção da liberdade. Então onde está a virtude? Primeiro, penso, devemos entender a liberdade como uma busca constante que se dá no contexto histórico-social onde cada indivíduo está inserido. A liberdade não está pronta e acabada. Ela precisa ser construída dentro de um processo dialético. O sujeito como ente social desempenha o papel de ator e autor de sua própria liberdade. Essa busca está fundamentada no princípio da autonomia (aquele que dá a si mesmo as próprias leis). Entendendo que a palavra "nomia" em grego significa lei. Então, para Kant, há um imperativo categórico no sentido moral que me impõe os limites éticos e morais de minhas ações como ser livre ou em busca da liberdade. 

Ou seja, a verdadeira liberdade está norteada pela ética. Na concepção de Platão o objetivo final da ética é atingir o bem, primeiramente para si e depois para os demais. Sempre que falhamos em atingir o bem, falhamos com a ética. Assim, educar para a liberdade envolve a construção da liberdade como uma busca utópica. Ora, a utopia não é de todo negativa, aliás, ela é o combustível para os nossos sonhos e alimenta as nossas esperanças. Deste modo, educar para a liberdade significa construir a autonomia no ser, embora devamos considerar que este não é um processo pontual, para ocorrer num dado momento da vida, mas é um processo contínuo. Talvez no dia da nossa morte descubramos que nunca fomos livres de fato. Então, a educação para a autonomia envolve o distanciamento da heteronomia, ou seja, significa construir a liberdade transportando o indivíduo dos princípios da anomia e da heteronomia para o princípio da autonomia moral, ética e intelectual. Pensando nisso como uma breve fundamentação teórica, acredito que dentro de um contexto democrático recente, a educação no Brasil está passando de um extremo (heteronomia) para outro (anomia). 

No sentido moral e ético isso é muito grave, pois, se não tivéssemos outra opção, a escolha preferível entre um extremo e outro seria a heteronomia (princípio de condução moral próprio de um regime político autoritário). Contudo, como vivemos em um Estado democrático e de direitos, estes dois extremos são inapropriados, cabendo apenas a opção da busca pela autonomia. Como vivemos numa fase histórica de mudança de paradigma na educação, onde a escola tradicional convive com as propostas relativamente recentes da escola nova, o desafio maior está na formação continuada dos docentes. Mudar a concepção de homem, de sociedade e de educação não é uma tarefa tão simples quanto parece, pois temos sobre nós o peso da tradição educacional construída por mais de dois milênios. 

Pessoalmente acredito que isso só é possível pela desconstrução de uma mentalidade arcaica e medieval que permeia o imaginário popular e o inconsciente coletivo dos profissionais da educação. Esse é um processo dialético contínuo e de amadurecimento humano, pois os professores precisam aprender a discutir idéias sem levar para o lado pessoal. Deste modo, posso ponderar que um dos principais entraves para a qualidade na educação é a má qualidade na formação docente. Muitas vezes o problema não é o aluno, aliás, na grande maioria dos casos não é, então de quem é a responsabilidade maior? Não hesito em responder que é do professor. Enquanto os professores tiverem uma concepção metafísica e cientificista do ser humano eles terão uma concepção uniformista e fragmentada da educação. É justamente por conta destas concepções tradicionais que há exclusão, segregação, discriminação e preconceito em sala de aula por parte dos professores. Não conseguem, por conta disso, contemplar as inteligências múltiplas, as diferenças e a diversidade. 

Por conta destas concepções abusam do poder que lhes é dado e se tornam autoritários, perdendo a autoridade como mestres de um ofício artesanal. Perdem com isso a dimensão do humano no ser e praticam a pedagogia do terror, tornando-se assim terroristas da educação, mercenários que trabalham apenas pelo salário, verdadeiros destruidores de talentos e sonhos, ladrões da alma infanto-juvenil, finalmente, um verdadeiro perigo para a sociedade.

A autonomia ética e moral é uma busca contínua e sem fim, a qual se dá dentro de um processo dialético e inserido num contexto histórico-social de diversidade cultural e pluralismo axiológico. Saber conviver com o diferente é o maior desafio no universo multicultural no qual estamos inseridos. Há tantas morais quantas são os grupos sociais. Consequentemente há escalas de valores e interesses conflitantes. Este cenário moral de diversidade é importante para a educação e para o educador, pois não permite que a pedagogia se torne dogmática e que a sala de aula se transforme em um espaço de abuso ditatorial. Contudo, como pensava Emmanuel Lévinas, não há lugar na sociedade plural para qualquer fundamentação ética, é imperativo resgatar a proposta da ética da alteridade como filosofia primeira, mesmo antes da ontologia. O capitalismo faz uso de uma "ética" utilitarista (onde os fins justificam os meios). 

Como educadores temos que ter o cuidado para não cairmos apenas no "discurso ético", pois para a grande maioria dos nossos alunos ainda somos referência. Deste modo, podemos entender a ética como uma encarnação e não apenas como discurso. Pois todo educador é professor de moral, tenha consciência disso ou não. Há um "discurso" ético e moral subentendido em nossas práticas. A moral se revela de maneira mais clara para os alunos no currículo oculto da escola. Portanto, ninguém é neutro quando faz educação. 

Cada educador precisa ter consciência da sua influência quando atua em sala de aula e dentro da escola. Precisa sempre estar questionando a sua prática em três eixos básicos: 1. Que tipo de homem desejo formar? 2. Com que tipo de educação? 3. E para qual sociedade? Penso que ao educar, o professor deveria almejar a construção de um sujeito autônomo, reflexivo e crítico, utilizando-se da sua influência e de uma educação libertadora para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária, cidadã e fraterna.

DEMÓCRITO E PARMÊNIDES


Por: Jorge Schemes

Trabalhar com a disciplina de filosofia com alunos do Ensino Médio tem aspectos significativos, mas também apresenta algumas dificuldades a serem superadas pelo professor. Partindo deste pressuposto surgem alguns questionamentos, ou seja: 1. Como levar os alunos a demonstrar interesse por essa área do conhecimento? 2. Como fazer com que a filosofia não seja apenas mais uma disciplina a ser estudada? 3. Como levar os alunos a desenvolver uma atitude filosófica e crítica diante da própria filosofia? 4. Como incentivá-los a filosofar e não apenas aprender sobre filosofia apenas numa perspectiva conteudista?

Em minha prática pedagógica desafiei meus alunos a pensar na filosofia, antes de mais nada. Pensar apenas. Sem exigir um conteúdo específico. Levei-os até a biblioteca da faculdade e convidei a todos para entrar em contado com a literatura filosófica disponível. Defini alguns filósofos previamente, e fiz um sorteio entre os alunos. O desafio seria encontrar na literatura filosófica informações sobre a vida do filósofo (biografia) e seu pensamento filosófico (filosofia). Não exigi quantidade, mas qualidade e objetividade. Foram três saídas à biblioteca. Percebi que houve, de maneira geral, um despertar para o assunto. Inclusive alguns começaram a ler sobre outros assuntos ligados a filosofia. O contato com os livros foi muito positivo. 

Depois permiti que completassem a pesquisa buscando informações na internet. Após organizar a coleta de dados, os alunos foram desafiados a apresentar o resultado da sua pesquisa em sala de aula. A apresentação foi muito espontânea, dando prioridade para aqueles que já estavam mais bem preparados. Na primeira aula, tivemos a apresentação sobre as ideias de Demócrito e Parmênides. Enquanto apresentavam a pesquisa, mesmo fazendo leituras em determinados momentos, desafiei os alunos a pensarem no significado do que estavam dizendo e ouvindo. No início as participações em forma de debate de ideias foram tímidas, todavia, o andamento da aula começou a mudar pouco a pouco, na mesma proporção em que os alunos foram percebendo que poderiam expressar suas opiniões sem medo de serem criticados ou ridicularizados. 

Após cada participação procurei estimular mais ainda o pensamento crítico usando o método socrático da maiêutica. Uma aula foi pouco para discutir as ideias de Demócrito e Parmênides. Todavia, gostaria de destacar alguns pontos relevantes do debate. Ao serem apresentadas algumas ideias de Demócrito (da escola atomista), alguns alunos ficaram surpresos com o fato deste filósofo ter chegado a ideia e concepção de átomo sem nenhum aparato tecnológico. Também ficaram "espantados" com o fato de que as ideias de Demócrito perduraram na cultura ocidental por mais de 2.500 anos chegando até os nossos dias. 

Ao apresentar o contexto mítico no qual ocorreu tal elaboração filosófica, os alunos perceberam a validade da filosofia grega como uma forma de pensamento sistematizado e reflexivo. As ideias de Parmênides sobre o ser e o não-ser, sobre a impossibilidade do movimento (o movimento como uma ilusão) e sobre o ser uno, eterno e imutável (concepção metafísica), também geraram um debate interessante. Dentre as ideias que afloraram estava a que defendia a existência de universos paralelos como possibilidades da realidade. A discussão passou pelas teorias da física quântica sobre o tempo e o espaço. 

Falamos também da concepção de Deus dentro da perspectiva da metafísica proposta por Parmênides. Acabamos aquela aula nos perguntando: "mas afinal, o que é a realidade?" Os alunos também puderam perceber que, o pensamento de Parmênides sobre a imobilidade do ser e ausência de movimento, quando confrontado com o pensamento de Heráclito (fluxo constante de todas as coisas), cria um princípio de debate de ideias denominado dialética. E mais, que a contribuição de Parmênides para o pensamento filosófico ocidental pode ser sentida no cotidiano, por meio das afirmações que fazemos e que têm como fundamento a metafísica. De qualquer forma, pude perceber que meus alunos do Ensino Médio estão começando a libertar o pensamento, e consequentemente, descobrindo o mundo da filosofia.

OFENSA MORAL EM SALA DE AULA E O QUE PRECONIZA O ECA NOS ARTIGOS 17, 18 e 53


Por: Jorge Schemes

Como educador sempre me pergunto: "quais são as dimensões relacionadas com a prática pedagógica e as questões ligadas a atos de indisciplina e incivilidade, bem como a atos infracionais cometidos por criança e adolescente no ambiente escolar?" Muitos pseudo-educadores, os quais eu costumo denominar de "mercenários da educação", não estão nem aí, não dão a mínima para o que seus alunos pensam e muito menos para o que eles sentem durante o processo de "transmissão do conhecimento". Porque para estes mercenários, o que deveria ser um processo de ensino e aprendizagem acaba caindo na mesmice do ensino tradicional, o qual reduz o que deveria ser uma construção significativa do conhecimento para uma mera "transmissão de informações" descontextualizadas da vida dos alunos, e consequentemente sem relevância para eles e sem significado. 

Ora, se algo é sem significado para mim eu não me interesso, e se eu não me interesso eu não quero aprender. Essa é a lógica de uma pseudo-educação irracional e destituída de reflexão filosófica. Todavia, o que gostaria de analisar hoje, trata-se de uma experiência que ocorreu durante essa semana em uma das escolas da rede pública. O episódio envolveu um aluno do ensino médio com a idade de 16 anos e uma professora de carreira. Fatos dessa natureza são relativamente comuns, infelizmente. Durante uma aula, a professora ouviu deste aluno vários impropérios, palavras de baixo calão, ou seja, foi difamada, injuriada e caluniada diante dos demais alunos. Os motivos não foram de graça. 

Todavia, o que pretendo discutir com os fatos ocorridos está relacionado com os artigos 17, 18 e 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Após o ocorrido, as medidas e sanções tomadas pela escola e pela professora foram as seguintes: 1. Advertência ao aluno e suspensão das aulas por três dias. 2. A professora abriu um Boletim de Ocorrência (BO) na delegacia da Mulher da Criança e do Adolescente. 3. A direção queria que o aluno pedisse desculpas diante de toda a escola, e não apenas diante da classe onde ocorreu o fato.

No dia seguinte ao fato ocorrido, o aluno ainda não tinha recebido as sansões por parte da direção e foi para a escola assistir as aulas. Ao chegar lá, foi impedido de entrar na escola e ouviu o seguinte da diretora auxiliar: _ "Você está suspenso das aulas por três dias. Prepare-se, porque nestes três dias os professores farão atividades, trabalhos e provas para te prejudicar nas notas...se eu fosse você procuraria outra escola". Sinceramente, isso é inadmissível, pois trata-se de uma pedagogia do terror, medieval e ultrapassada. isso revela o lado obscuro daqueles que pensam ser educadores, mas na realidade são os detentores de um autoritarismo doentio. O garoto, embora, de fato, tenha errado e cometido um ato infracional, não poderia ser excluído do processo de ensino e aprendizagem. A escola precisa rever as sanções aplicadas aos alunos em caso de indisciplina e ato infracional. Primeiramente se faz necessário redimensionar o que seja de fato indisciplina e o que é caracterizado como ato infracional. As sanções aplicadas em casos de indisciplina devem ser unicamente de cunho pedagógico enfatizando a inclusão e nunca a lógica da exclusão. 

Mas este é um assunto para ser discutido à parte, pois está relacionado com o Plano Político Pedagógico e a elaboração do Regimento Escolar. A medida tomada pela professora de abrir um BO não está de todo errada, pois de fato ela foi ofendida em sua honra e moral na frente dos demais colegas, e como cidadã, está dentro de seus direitos legais. Embora, na minha opinião, o melhor caminho para a resolução de conflitos em sala de aula e dentro da escola seja a mediação escolar. Com relação ao aluno ter que pedir desculpas, concordo plenamente, desde que os seus direitos enquanto sujeito de direitos sejam assegurados conforme preconiza o ECA nos artigos 17 e 18. 

Portanto, a intenção de fazê-lo pedir perdão à professora na frente de toda a escola está diretamente contra a garantia de seus direitos e trata-se novamente de uma pedagogia norteada pelo terror antipedagógico. Este episódio nos faz refletir se de fato estamos comprometidos com a educação, enquanto ferramenta indispensável para a construção da liberdade, da autonomia moral e intelectual e da verdadeira cidadania. Construir-se como educador é um processo dialético e reflexivo. Também diria que a educação continuada do docente enquanto educador se faz nas dimensões passado-presente-futuro, envolvendo sólida fundamentação filosófica como sustentação teórica para sua prática, a qual deve ser uma práxis contínua, ou seja: ação-reflexão-ação. Quanto mais consistente for a fundamentação teórica, mais intencionalidade haverá na ação pedagógica. Por outro lado, quando menos fundamentado estiver o professor, menos intencionalidade haverá em suas práticas educativas. Para os mercenários da educação o caminho do autoritarismo e da prática da pedagogia do terror parece o caminho mais fácil, todavia, este é o caminho de uma pseudo-educação, destituída de comprometimento ético e moral com o humano no ser.