REFLEXÕES SOBRE ÉTICA, CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL



Por: Jorge Schemes

"Eu preciso participar das decisões que interferem na minha vida. Um cidadão com um sentimento ético forte e consciência da cidadania não deixa passar nada, não abre mão desse poder de participação." (Herbert de Souza, o Betinho)

Herbert de Souza encarnou o que disse até o último dia de vida. Aliás, suas palavras são o resultado de sua vida, de sua luta social por uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Contudo, sua visão de futuro não ficou sem ação, pois do contrário seria apenas um sonho. Também suas ações não estavam destituídas de sonhos, pois se assim fosse, seriam apenas um passa-tempo sem propósitos maiores. Desta maneira, podemos afirmar que as palavras de Betinho são o resultado de uma visão de futuro (sonho) acompanhada de ações concretas, inseridas no contexto histórico e social de seu tempo, o que gerou uma mudança de atitude e consciência. Assim, podemos afirmar que: "Uma visão de futuro sem ação é apenas um sonho. Ações sem uma visão de futuro (sonho) são apenas um passa-tempo. Todavia, uma visão de futuro (sonho) acompanhada de ações planejadas e intencionais, podem causar um revolução na história de vida pessoal e social".

Há um imperativo na declaração de Betinho, de que precisamos participar das decisões que interferem na nossa vida. Não é opcional. Ou participamos ou nos alienamos. A omissão pode ser considerada uma alienação. Se desejamos construir nossa cidadania, "precisamos" participar das decisões que afetarão nossa vida. Por exemplo, a questão do direito ao voto nas eleições Municipais, Estaduais e a nível Federal. Precisamos participar. Mesmo quando o voto é branco ou nulo está havendo participação, contudo, não há um sentimento ético e consciência cidadã. Precisamos participar com intencionalidade e consciência ética. Nosso poder decisório é muito maior do que supomos. Se de fato praticarmos a democracia plena, nossos direitos enquanto cidadãos, estaremos criando uma atmosfera de poder ao nosso redor. Devemos lembrar que as pessoas só poderão nos tratar como seres inferiores com o nosso consentimento. 

Quem vive na dimensão de súdito, está colocando-se numa posição de inferioridade em relação aos seus direitos. Não está exercendo seu poder decisório. Penso que, neste sentido, a fundamentação ética é super importante, principalmente quando entendemos que a ética pode fundamentar as relações sociais ou não. Penso ainda que este sentimento ético forte só pode existir por meio de uma educação libertadora e crítica. Não é possível desenvolver este sentimento ético sem uma fundamentação teórica consistente. O conteúdo desta fundamentação não pode estar norteado pela lógica capitalista, pois a ética do mercado é utilitarista, ou seja: os fins justificam os meios. Penso que a melhor fundamentação para uma ética que contemple as diferenças e a diversidade presentes em nossa cultura é a ética da alteridade de Emmanuel Lévinas. Essa manifestação ética está expressa de alguma maneira no rosto do outro. Há uma certa encarnação da ética como filosofia primeira quando apreendemos o sentido da humanidade, e o que há de mais humano no ser, revelado no rosto do outro. Este outro é uma referência ao "totalmente outro", o excluído, o segregado, o discriminado pela lógica do neoliberalismo, o qual contempla o humano apenas na dimensão do capital e do trabalho, como agente de produção. Há uma fragmentação da dimensão humana no universo da técnica neoliberal. Esse dilaceramento do humano no ser precisa ser restaurado, e o caminho, o único possível, é a educação libertadora e crítica. Não há outro meio pelo qual possamos resgatar e reconstruir o sentimento ético forte e a consciência da cidadania como instrumentos internos, para que o sujeito possa exercer seu poder de participação. Quem não tem essa fundamentação não participa, e quem não participa é um mero espectador e joguete nas mãos dos detentores do poder.

A educação, dentro do contexto neoliberal e da lógica capitalista, tem sido aparelho ideológico do Estado neste país desde sua invasão. Quem vai fazer a diferença é o professor, o qual pode reproduzir a ideologia de subordinação e dominação, ou pode ser um agente de transformação e mudança. Contudo, para que o professor seja um agente de transformações, ele próprio precisa ser construído e formado continuamente dentro de um contexto educacional crítico e dialético. Pessoalmente, acredito que é possível quebrar os velhos paradigmas da exclusão e discriminação. O preconceito é aprendido, e se é aprendido pode ser desaprendido. Não é tarefa fácil, pois poderá exigir o abrir mão de interesses próprios e possíveis vantagens. O fato é que, assim como o Betinho, há milhares de outros que estão lançando a semente para um amanhã mais justo, igualitário e solidário. Todavia, não podemos negar que há interesses politiqueiros em muitos programas assistencialistas e de fachada. Como cidadãos, precisamos participar no sentido de acompanhar as ações sociais promovidas pelo Governo. Infelizmente, se perguntarmos em quem as pessoas votaram nas eleições passadas, a grande maioria talvez não consiga lembrar. 

O contexto em que o neoliberalismo insere-se na vida de milhões de brasileiros não foi favorável a uma reação por parte do povo. Pois o Brasil, nunca foi um Estado de Bem-Estar. Por conta disso, o neoliberalismo está exercendo um papel de exclusão social muito mais impactante do que ocorreu na Inglaterra, país desenvolvido às custas do sangue alheio. Os ingleses, os grandes sanguessugas da humanidade, quando assumiram a política neoliberal, viviam um Estado de Bem-Estar mais consistente do que o Brasil. Há uma desvantagem para nós do ponto de vista positivista . Entretanto, nosso povo pode ser considerado herói, pois tem usado da criatividade e da inovação para superar suas deficiências. Aliás, o que pode ser considerado o nosso maior patrimônio? Sem dúvidas, o maior patrimônio do país são as pessoas. Não adianta o país crescer o PIB 10% ao ano, se não houver mão-de-obra qualificada e pessoas pensantes para sustentar tal crescimento. 

Os talentos e competências dos recursos humanos disponíveis são o principal diferencial para crescermos de verdade. Por este viés, a qualidade na educação é a principal via de sustentabililidade. Crescer economicamente e não crescer intelectualmente e moralmente equivale a estagnação. Se o país não fizer investimentos pesados em educação, as coisas não irão melhorar de fato. Penso que a discusão em torno da educação tem duas correntes que se destacam, ou seja: aqueles que defendem uma educação para a cidadania (posição civil democrática), e aqueles que defendem uma educação técnica para o mercado de trabalho (posição conteudista). Assim, penso que não basta formar técnicos, faz-se necessário preparar a juventude para atuar como cidadãos críticos e participativos. Volto a declarar a minha crença numa educação libertadora e crítica, capaz de servir como instrumento para a promoção da justiça social.

Pensando em Aristóteles para fundamentar nossas ações políticas, de participação e legitimação de direitos, faz-se necessário entender a política como um desdobramento natural da ética, pois tanto a ética quanto a política compõem a unidade do que Aristóteles costumava chamar de filosofia prática. Há duas dimensões que envolvem a ética e a política. Enquanto a ética está preocupada em buscar e encontrar a felicidade individual do sujeito cidadão, a política está interessada em alcançar a felicidade coletiva (social). Desta maneira, é tarefa da ética e da atitude política investigar e descobrir quais são as formas de governo e quais são as instituições capazes de assegurar a felicidade coletiva. Trata-se, portanto, de investigar a constituição do Estado, sua atuação e suas competências, para, partindo desta premissa, participar de forma mais consistente e consciente enquanto cidadão. Portanto, não podemos separar a ética da política, ou seja, das nossas ações individuais e de participação social.

Analisando os dados aterradores da péssima qualidade na educação divulgados no Ideb, concluí parcialmente que há vários fatores para chegarmos nestes índices; na minha opinião, o que mais tem pesado é a disritmia da escola com este tempo histórico e social, ou seja, o currículo está descontextualizado, a escola ainda apresenta os moldes medievais. Desta maneira fica difícil captar a atenção e o interesse dos alunos, que na maioria dos casos são meros expectadores do processo e não atores e autores. Os alunos precisam ter voz e vez. 

O currículo deve partir da realidade deles e desafiá-los na construção de sua autonomia intelectual, ética e moral. Se um determinado conteúdo não está vinculado com a minha realidade, este conteúdo não tem significado para mim, e aquilo que não significa nada pra mim, não me interessa, e o que não me interessa eu não quero aprender. É a lógica de uma educação metafísica e excludente. Faz-se necessário uma concepção histórico-social de ser humano. Partir do conhecimento real dos alunos, ou seja, daquilo que eles já sabem, para o conhecimento potencial, científico.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro Professor.
Eu tomei a liberdade de copiar o seu artigo e espero obter sua permissão para utilizá-lo em minhas aulas, uma vez que necessito exemplificar para meus alunos o sentido político da Cidadania!
Prof. José Candido de Moraes
Rede de Educação Pública Estadual do Paraná.
Não tenho blog mas deixo meu email
jzcandido@hotmail.com
Abraço e obrigado!

Anônimo disse...

Olá, irmão! Admiro o seu trabalho e o seu empenho em busca de uma educação mais qualificada e uma consciência crítica mais eficaz em nosso país. Sou estudante, 3º ano do Ensino Médio, Brasília. Estava a procura de textos que pudessem me auxiliar em uma redação com o tema "Cidadania e participação social". Me identifiquei com o seu arquivo. Gostaria de parabenizá-lo pelo vocabulário empregado - diversificado, adequado e simples; pela estrutura e pelo desenvolvimento dos argumentos apresentados. Obrigada pela atenção, Pryscila.